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Cada qual escolhe o tom para contar a sua própria história. Vivo entre matizes difusos, esbatidos misteriosos, incertezas; o tom para contar a minha vida ajusta-se mais ao de um retrato a sépia…
Este é o último livro da trilogia escrita por Isabel Allende, passada entre o Chile e a Califórnia. Aqui reencontramos personagens dos dois livros anteriores, apesar de cada livro se focar em uma família diferente e numa diferente época.
Este é um romance histórico que retrata o Chile nos finais do séc. XIX, entre 1880 e 1920, o papel das mulheres e a forma como eram tratadas e o ínicio da sua emancipação, ainda associada a muita censura.
Uma história contada pela voz de Aurora del Valle, tentando preencher as lacunas existentes no seu passado, na sua infância, quando foi separada do que conhecia e mudada para onde nunca tinha estado. Ela vai-nos envolvendo na história da sua família, revelando detalhes e segredos dos seus ente-queridos, principalmente das mulheres.
É ainda retrada a Guerra do Pacífico, em que a autora nos dá alguns factos reais ao enquadrar um dos seus personagens nesta.
Este livro tem lugar após Filha da Fortuna e antes de A Casa dos Espíritos, pelo que a ordem cronológica da história é diferente da ordem de publicação dos livros.
Personagens preferidas: Aurora del Valle
Pontuação: 4 estrelas
Começo por dizer que esta foi uma das melhores autoras que conheci este ano, quero ler mais livros dela!
O Filha da Fortuna conta a história de Eliza, uma menina abandonada à porta da família Sommers, que a acolheu como se fosse da família. No entanto, Isabel Allende traz-nos uma muito maior quantidade de personagens, cada uma mais forte que a anterior, sempre muito bem construídas, a partilhar e vivenciar com Eliza as suas experiências de vida.
Passa-se entre o Chile e a Califórnia, principalmente durante os anos 1848 e 1849, quando se deu a febre do ouro e a Califórnia se tornou num dos estados mais habitados dos EUA.
Devido a um romance mal terminado, Eliza passa por várias aventuras e vários desgostos e provações, que a levam a conhecer Tao Chi'en.
Tao é um chinês que pratica a medicina oriental e que, vendido para a escravatura com apenas 10 anos, teve a sorte de ser revendido a um médico para se tornar no seu aprendiz. É dos melhores personagens do livro, acabando por gastar o pouco dinheiro que consegue juntar a ajudar as pequenas sing song girls, meninas chinesas traficadas e leiloadas para prostituição infantil.
É um livro que retrata muito bem a época da febre do ouro na Califórnia, em que a violência e o racismo eram recorrentes. Mostra como os nativos foram expulsos da sua própria terra e como as pessoas de nacionalidade chinesa ou mexicana eram desprezadas e muitas vezes linchadas sem qualquer motivo aparente.
Mostra também que os mais espertos estabeleceram negócio naquele país onde cada coisa valia uma fortuna, em vez de perderem tempo nas minas, enriquecendo tanto ou mais como os que o faziam, e retrata ainda a aparição dos barcos a vapor, aqui utilizados para levar mercadorias até à Califórnia muito mais rapidamente.
O papel das mulheres da altura também é bastante descrito, na Califórnia havia apenas as prostitutas e é desenvolvido o como é viver numa terra de homens, as diferenças entre as várias raças, destacando-se a submissão imediatamente atribuída às mulheres e esposas chinesas, compradas por catálogo.
O final quase nos obriga e ler o próximo livro, Retrato a Sépia, em busca de mais informação, se bem que se pode ler apenas o segundo sem necessidade do primeiro para perceber a história.
Personagem preferida: Tao Chi'en
Pontuação: 4*
Este é um livro que acompanha a família Trueba, interligada com a história do Chile, pano de fundo desta obra. Tentei escrever sem spoilers, mas foi impossível, embora sejam poucos e, na sua maioria, contextualizados na história do país e de conhecimento geral. Se não leram o livro, não leiam por favor o excerto que coloquei mais abaixo.
As três personagens principais são femininas e cada uma representa uma geração - Clara, Blanca e Alba, três nomes diferentes mas que se tornam no mesmo, numa alusão à pureza que sempre é associada à cor branca. Clara é a primeira delas, é a Clara clarividente que move objetos com a mente. É uma personagem muito interessante, das melhores do livro, e é maravilhoso ir acompanhando o seu desenvolvimento e a sua vida. Blanca e Alba são, respetivamente, filha e neta de Clara e continuaram a história nas gerações seguintes.
Logo nas primeiras páginas sabemos como foi construído este texto, baseado nos livros onde Clara registava a vida, e com vários detalhes acrescentados pelo patriarca Esteban Trueba.
A história começa décadas antes do golpe de estado do Chile, mas é a um terço do fim, que este livro nos traz o melhor de si quando, na década de 70, o partido socialista vence as eleições do Chile. Aqui começa um conceito histórico e muito interessante narrado através das memórias da própria Isabel Allende, filha do primo do presidente Salvador Allende.
O nome de Salvador Allende nunca nos é referido no livro, sendo representado apenas como Presidente, embora o tempo e o contexto histórico desta obra nos leve até ele.
Em 1973 dá-se o golpe militar, descrito neste livro com vários detalhes do que aconteceu na época, uma vez que Isabel Allende vivenciou este acontecimento.
Uma personagem assumidamente da direita e que defende o seu partido durante a maior parte do livro é Esteban Trueba. Em várias ocasiões cego pela riqueza e em outras incapaz de ver o que se apresenta mesmo à sua frente, tendo ainda apoiado a tirania da ditadura de Pinochet, ele representa as pessoas enganadas pela ilusão de poder.
Existe ainda um outro personagem importante e designado como Poeta, que através da sua história, presente no livro, descobrimos ser Pablo Neruda. O excerto seguinte representa um episódio muito triste da história, logo após o golpe militar.
O Poeta agonizou na sua casa junto ao mar. Estava doente e os acontecimentos dos últimos tempos esgotaram-lhe o desejo de viver. A tropa revolveu-lhe a casa, deram voltas às sua coleções de búzios, conchas, borboletas, às suas garrafas e máscaras de proa resgatadas de tantos mares, aos seus livros, quadros, versos inacabados, à procura de armas subversivas e comunistas escondidos, até o seu velho coração de bardo começar a falhar. Levaram-no para a capital. Morreu quatro dias depois e as últimas palavras do homem que cantou a vida, foram: «Vão fuzilá-los! Vão fuzilá-los!». Nenhum dos seus amigos se pôde aproximar na hora da morte, porque estavam na clandestinidade, fugitivos, exilados ou mortos. A sua casa azul do cerro estava meio em ruinas, o piso queimado e os vidros partidos, não se sabia se era obra dos militares, como diziam os vizinhos, ou dos vizinhos, como diziam os militares. Ali o velaram os poucos que se atreveram a aparecer (...)
As pessoas iam em silêncio. De repente, alguém gritou roucamente o nome do Poeta e uma única voz em todas as gargantas respondeu «Presente! Agora e sempre!». Foi como se tivessem aberto uma válvula e toda a dor, medo e raiva desses dias saísse do peito e percorresse a rua, subindo como um clamor terrível até às negras nuvens do céu. Outro gritou «Companheiro Presidente!». E todos responderam num só lamento, pranto de homem: «Presente!». A pouco e pouco o funeral do Poeta transformou-se no ato simbólico de enterrar a liberdade.
Super bem escrito e que vale bastante a pena pelos acontecimentos aqui descritos e retirados das recordações da própria Isabel Allende, num livro que nos agarra desde as primeiras páginas.
O final é maravilhoso, a destruição e o renascimento unidos na procura de novos e melhores tempos. Sem dúvida um livro a reler.
Personagens preferidas: Clara Del Valle
«Algumas vezes sofria ataques de asma. Então chamava a neta com uma campainha de prata que andava sempre consigo e Alba acudia a correr, abraçava-a e curava-a com sussurros de consolo, pois ambas sabiam, por experiência, que a única coisa que pára a asma é o abraço prolongado de um ser querido.»
Em A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende*
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